A necessidade de pertencer
Uma breve análise que busca conectar a concepção de percepção com a necessidade humana de fazer parte grupos.
Os filósofos, principalmente durante a Renascença, sempre buscaram entender a origem da fonte primária de conhecimento, os empiristas veem a experiência como a fonte primária, já os racionalistas, a reflexão racional.
Um dos grandes nomes do empirismo é John Locke, ele chega a seguinte conclusão:
- Os racionalistas acreditam que nascemos com algumas ideias e conceitos que são inatos.
- Entretanto, isso não é confirmado pelo fato de que, não há verdades encontradas em todos nós no nascimento, e não há ideias universais encontradas em pessoas de todas as culturas, em todos os tempos.
- Tudo o que sabemos é adquirido a partir da experiência, e o conhecimento de nenhum homem pode ir além de sua própria experiência.
George Berkeley vai mais além, afirmando que o empirismo lockeano era moderado, pois ainda admitia a ideia de Descartes de que os humanos são seres constituídos de duas substâncias distintas, mente e corpo. O empirismo de Berkeley ficou conhecido como “idealismo imaterialista”, isso significa que haveria apenas um tipo de substância no universo, e essa substância é a mente, ou pensamento, invés da matéria. A linha de pensamento de Berkeley pode ser vista da seguinte forma:
- Todo conhecimento vem da percepção.
- O que percebemos são ideias, não coisas em si.
- Uma coisa em si deve estar fora da experiência.
- Então o mundo consiste apenas em ideias e mentes que percebem essas ideias.
- Uma coisa só existe na medida em que ela percebe ou é percebida. “Esse est aut perciperi aut percipi.”
Essas afirmações podem criar uma confusão, se as coisas que não percebem só existem caso forem percebidas, então, caso eu saia do meu quarto, minha cama, minha mesa e minha cadeira vão deixar de existir, já que eu não as percebo mais? Berkeley responde que, nada fica não percebido, quando eu saio do meu quarto, ele ainda está sendo percebido por Deus. Logo a teoria de Berkeley depende da existência de um Deus que está constantemente envolvido no mundo. Contudo, se analisarmos a teoria de Berkeley não sobre uma ótica metafísica, mas numa ótica metafórica, ela independe da existência de Deus.
A existência se mantém mesmo sem a percepção, porém é a nossa percepção que dá a ela algum significado e importância. A existência do meu quarto ou até mesmo de uma outra pessoa só passa a ter importância quando a sua existência é reconhecida é reconhecida por outro que a percebe. Sem significado, a existência de pouco importa, sendo assim, você só existe quando é percebido.
É facilmente perceptível que a busca por uma significação da existência é uma fonte de angústia no mundo contemporâneo. Se há poucas décadas o nosso círculo de pessoas conhecidas se limitava ao ambiente em que vivíamos e às pessoas nele inseridas, agora, com a internet e as redes sociais, esse círculo pode estender-se ao mundo inteiro. E dessa forma, com tantas pessoas que podemos ter contato, torna-se muito mais fácil criar o sentimento de que não é percebido, e a existência perder o seu significado.
Naturalmente, a busca individual por ser percebido acaba por ser também um fenômeno coletivo. A partir do momento que você se expressa, de qualquer forma que seja, outras pessoas com ideias semelhantes se identificam, gerando um sentimento de pertencimento. E quando o indivíduo pertence a um grupo, a sua existência, consequentemente, torna-se percebida. O que acontece aqui é uma aproximação natural de pessoas com ideias semelhantes, que formam um grupo onde se cria um sentimento de pertencimento, e onde a existência daquele que pertence é percebida. Contudo, quando o grupo é estabelecido, outros indivíduos veem nele um atalho para a sua existência ser percebida e escaparem do sentimento de isolamento. Vemos esse fenômeno todos os dias: pessoas que defendem uma ideia ou causa que desconhecem para sentirem-se percebidas por um determinado grupo. É reconhecido e legítimo que existam outras formas de ter a existência percebida, o que é tratado nesse exemplo é que, o pertencimento a um grupo é forma mais fácil e simples de ser reconhecido. Em vista disso, o não pertencimento se confunde com não ser percebido, e a necessidade de ser percebido também se confunde com a necessidade de pertencer.
Sendo de forma consciente ou inconsciente, essa lógica é utilizada por grupos sociais para aumentar os seus adeptos, dando o prazer de ser percebido àqueles que pertencem, e a angústia do isolamento e a perda de significado existencial àqueles que se recusam a assimilar as ideias do grupo.
Por: Lucas Dutra